terça-feira, 24 de março de 2015

Como descobri a necessidade de planejar minhas refeições...


Logo após perceber que biscoitos (e massa, amanteigados e panquecas) compunham uma porcentagem exorbitante da minha dieta (150%, mais ou menos), decidi abrir mão deles por quatro semanas: uma experiência de verão com a meta de dar um choque na minha dependência do que passei a descrever como “carboidratos de caixinha”, uma maneira genérica de chamar os alimentos com altas calorias em relação a suas ofertas nutricionais. (Um estudo publicado no American Journal of Clinical Nutrition resume: “grãos refinados, gorduras e açúcares são baratos, saborosos e convenientes. No entanto, eles também podem ser altamente energéticos e são muitas vezes pobres em vitaminas, minerais e outros micronutrientes”.)
Queria uma experiência de baixo impacto: não evitaria todos os carboidratos, apenas os que viessem em caixas, ficassem na despensa e fossem um substituto fraco para alimentos mais nutritivos quando fosse tarde da noite e meu estômago estivesse reclamando. Meu problema era a alimentação irresponsável: eu comia uma caixa de biscoitos inteira sem perceber. Também comia pão da padaria, que ficava dormido 12 horas. O mesmo valia para sanduíches feitos na lanchonete embaixo do meu prédio, e massa nos restaurantes, onde eu quase não ia. Eu não estava banindo carboidratos, mas sim forçando a mim mesma a mudar como e quando eu os comia: como uma opção padrão, quando eu abria mão de cozinhar algo melhor.
Uma pequena mudança, em termos de nutrição, resultou em um cataclisma no planejamento de refeições. Eu moro sozinha e, como escritora freelancer, minha agenda é imprevisível e irregular: Se eu tenho um prazo, trabalho até terminar e, depois, como. Não sei dizer quantas vezes tirei os olhos do laptop, percebi que já eram 9 da noite e me arrastei para fazer um espaguete (ou liguei para pedir comida): pelo menos eu tinha alguma coisa para comer.
No primeiro dia da experiência, trabalhei até tarde, perdendo todas as oportunidades de ir até o supermercado ou à feira. Assim como aconteceu tantas vezes no passado, tirei os olhos do computador e vi que era tarde demais para comprar alguma comida que não fosse (a) um Big Mac ou (b) falafel. Eu tinha acabado de voltar de uma viagem de duas semanas. Na geladeira, só azeitonas e leite de amêndoas. Os únicos itens na despensa eram alimentos que eu tinha acabado de banir: uma caixa de macarrão, mistura para panquecas e uma caixa começada de biscoitos amanteigados. Em qualquer outra noite, eu teria preparado o macarrão. Acabei saindo para tentar encontrar uma padaria ainda aberta, onde fiz uma escolha terrível: uma pote de iogurte e uma banana madura.
Algo ficou claro enquanto eu voltava para casa às 11 da noite, segurando uma sacola plástica com meu jantar lamentável. Vinte e quatro horas antes, eu disse que meu maior obstáculo nutricional era minha dependência em carboidratos prontos. Removê-los da minha dieta, no entanto, revelou um problema subjacente muito mais destrutivo: minha relutância em me responsabilizar pelo planejamento das refeições. Massa e panquecas me ajudaram a conviver com uma estratégia de improviso, se é que podemos chamar isso de estratégia. Sem elas, eu não tinha nenhuma habilidade para preparar as refeições. E, se eu estava pensando em comer como adulto nas próximas quatro semanas, precisaria fazer mudanças importantes.

segunda-feira, 23 de março de 2015

Na abertura de uma longa conversa ao telefone na manhã deste sábado (21), Fernanda Montenegro cita versos do poeta dos escravos. “Enfrentando mares revoltos, como diria Castro Alves”, diz, ao explicar como vem se sentindo desde a estreia de Babilônia, há uma semana. Na trama de Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga, ela é Teresa, uma das mais respeitadas advogadas do país que vive uma relação de quase 40 anos com Estela, papel de Nathália Timberg.
Após uma cena de um beijo apaixonado, logo no primeiro capítulo, o trabalho das atrizes de 85 anos se tornou o principal alvo de uma campanha que prega o boicote à novela, articulada pela Frente Parlamentar em Defesa da Família Brasileira. Na quinta (19), a Frente Parlamentar Evangélica divulgou uma nota de repúdio a Fernanda e Nathália. O texto, assinado pelo deputado João Campos (PSDB-GO) acusa a novela de trazer “de forma impositiva, para quase toda a sociedade brasileira, o modismo denominado por eles de ‘outra forma de amar’, contrariando nossos costumes, usos e tradições”.


"É uma caça as Bruxas"


“Não esperávamos essa reação. A situação toda do país está muito extremada, na discussão política e sobre comportamento”, espanta-se Fernanda. “Todos temos o direito de se posicionar. Não tiro o direito de ninguém. O problema é a radicalização desse pensar e no que ele pode se transformar. É caça as bruxas, de todos os lados.”
Na trama envolvente, crua e ambientada num Rio de Janeiro babilônico no qual a cobiça dá as cartas, Teresa e Estela são o exemplo de sabedoria, cidadania e honestidade, em oposiçã a personagens de caráter duvidoso, como o corrupto Aderbal Pimenta (Marcos Palmeira). Numa cena do primeiro capítulo, ainda na fase passada em 2005, Teresa foi convocada pela escola de Rafael, neto de Estela, que andava contando aos coleguinhas sobre suas duas mães. “A cena já estava gravada quando, uma semana antes, um menino foi morto pelos amigos da escola por ser adotado por um casal gay”, pontua a atriz, em referência ao caso ocorrido no início do mês em Ferraz de Vasconcelos (SP). “Não vi ninguém escandalizado, não vi ninguém contestar e buscar culpados para a formação daquelas crianças, que mataram um colega de escola. E vão se escandalizar com o beijo casto de duas atrizes experimentadas de quase cem anos de idade?”, questiona a atriz do alto dos seus 60 anos de carreira em conversa com QUANTO DRAMA!:
Antes da estreia de Babilônia, a senhora disse que “os que acharem estranho vão tolerar”. A campanha contra a novela lhe surpreendeu?
Sim. A situação toda esta muito radicalizada na política, no comportamento. Tudo está muito extremado, e as coisas estão se radicalizando de uma forma muito desesperada. A reação ao beijo é moral, e a cena é julgada com a verdade divina, absoluta. Todos temos o direito de se posicionar. O problema é a radicalização desse pensar e no que ele pode se transformar. Não pertenço aos exércitos que estão se formando por aí. Não precisamos desses exércitos. É uma caça às bruxas o que estão propondo, de todos os lados.
Os defensores da novela comparam a tentativa de boicote com a censura imposta pela ditadura militar. A senhora concorda?
Não, é diferente. Naquela época, nós tinhamos duas posturas. A adesão ou a rejeição a uma postura de comportamento herdada da contracultura e dos movimentos de 68. As coisas eram mais claras e menos pulverizadas. Hoje em dia, a gente tem muitos caminhos. Temos a internet, o que é maravilhoso, porque cada um pode ir lá se posicionar. Mas, ao mesmo tempo, o embate é muito mais diversificado.
Antes de Teresa e Estela, outros personagens homossexuais apareceram se beijando em cena. A senhora acha que a idade das personagens contribuiu para o choque?
Pode ser. Sinceramente, não sei o que deu nesse fenômeno de revisão do comportamento. Até agora não fizemos e não vamos fazer nada que ultrapasse a lisura. Nada. E são duas personagens que ainda não se apresentaram totalmente. Ainda vai ser mostrado a vida dura que elas tiveram, até chegarem a esse encontro de vida comum. O beijo que está dando essa confusão toda é um beijo casto, amoroso, sem desafio erótico ou didática. É uma demonstração de carinho. Por isso, digo que não tenho capacidade de analisar esse momento. Percebo que temos problemas muito mais graves. O país está enfrentando uma crise bastante vívida e sentida, e tem gente disposta a se voltar contra o beijo de duas atrizes de quase cem anos de idade dado dentro de uma relação sacramentada pela vida afora.
Meme junta duas das muitas faces de Fernanda Montenegro: Graças a Deus eu posso ir de Nossa Senhora à Teresa", diz ela (Reprodução)
Meme junta duas das muitas faces de Fernanda Montenegro: Graças a Deus eu posso ir de Nossa Senhora à Teresa”, diz ela (Reprodução)
Pela história de vida das senhoras, era de se esperar que as personagens fossem respeitadas. Mas, pelo contrário, os insatisfeitos com a novela lamentam que duas atrizes deste porte tenham sido escaladas para os papéis. 
Mas a Globo não me colocou ali, não fui obrigada a ser a Teresa. Não sou uma escrava de ninguém. Estou fazendo o papel com todo meu empenho, adesão e entendimento humano da causa, que é a da pessoa que quer viver sua natureza sem disfarce. Essas personagens são um esclarecimento aos mais bloqueados de razão. É claro que aceitei o papel por isso. Graças a Deus eu posso ir de Nossa Senhora à Teresa. Há um toque desse aí pela internet, já viu?
Sim, é muito bom! Talvez Teresa e Estela incomodem justamente por serem exemplos de vida e honradez.
São mulheres que alcançaram uma idade em que as coisas são avaliadas de uma maneira até contemplativa. As energias brutais e destemperadas que fazem parte da juventude vão embora, e no fim da vida a gente reavalia tudo. Não sei como não entendem que a união das duas é o lado sadio da novela. Contar a história delas é um ato de coragem dos três autores, do elenco e de uma produção com tanta qualidade artística e técnica. A gente está só fazendo o trabalho da gente. A resposta é o próprio fazer. A ação é mais importante do que ficar falastrando. Já que estamos todos na Bíblia, digo que mesmo o sopro divino foi uma ação.
Como a senhora vê o espaço dos personagens homossexuais nas novelas?
Já faz tempo que a telenovela se apropria do tema da aceitação dos homossexuais. Veja, há 34 anos eu fiz Brilhante (de Gilberto Braga). Dennis Carvalho (diretor-geral de ‘Babilônia’) fazia meu filho, que tinha um caso gay e a mãe nunca percebia. No fim da novela, ele vai embora com seu namorado – estamos falando de 1981. A homossexualidade sempre esteve presente nas novelas da Globo. E esteve presente na vida real também, não é mesmo? Hoje em dia existe o casamento, a lei permite que casais homossexuais adotem crianças. Está aí, para todo mundo ver. Estou inventando isso? Não! Por isso, vai haver um casamento sim das duas senhorinhas da novela, que estão juntas há 40 anos. É algo extremamente delicado e amoroso. Jamais teve a intenção de ser algo agressivo.  
Se os homossexuais já estão inseridos há tempos nas novelas, o que ‘Babilônia’ tem de diferente?
Ela não tem aqueles panos quentes do folhetim, que impedem que se chegue ao fundo do poço. Essa novela resolveu ir até o fundo do poço. Não é a primeira que uma novela fala de ambição, , mau-caratismo, corrupção e é povoada pelos vendilhões que a gente conhece bem. A diferença é que esta conseguiu fugir do folhetim, do melado, o máximo possível. Até hoje não vi nenhuma novela que tivesse essa limpeza de dramaturgia, que eliminasse as gorduras do folhetim. Não sei se é melhor ou pior, mas como audácia de dramaturgia, é o máximo.
A senhora acha que o resultado no Ibope pode levar a mudanças na trama?
Sempre vejo a vida pela minha vivência no teatro. E toda novela que começa é como uma peça de teatro. A segunda semana pode ser melhor do que a primeira e a terceira melhor do que a segunda. Estamos na primeira semana, imagine. Uma mudança seria uma decisão da direção da emissora. Eu sou uma intérprete, e estou agindo de acordo com o que os autores me propuseram, fazendo o que está dentro da minha vocação de atriz. Se não tivessem me chamado e eu lesse esse roteiro, eu teria me oferecido. De qualquer forma, mesmo que a novela mudasse, uma coisa é irreversível: o que foi apresentado até aqui já faz parte da história e da cultura e dos movimentos políticos do país. 

fonte: Veja