quinta-feira, 23 de julho de 2015

      "Não era para ser”                   

Ou “Os monstros que comem lamúria“
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O vazio se torna dor sentida no corpo todo. O estômago vazio se contorce e, mesmo quando a fome assola, independente e destemido, ele avisa que não é hora de comer, é hora de sentir-se oco. A mente vazia pensa no que não deve. Os olhos esvaziados ardem, avermelham, doem. Os lábios e mãos e pernas e coração lamentam.
“Não era para ser”, alguém sempre diz.
Quando será?, me pergunto.
Achei que eu era companheiro, mas era ouvinte. Achei que eu era carinho, mas era ego. Achei que eu era completo, mas era vazio. Talvez secretamente pensasse “Agora vai, dessa vez é pra valer”. Poderia pensar que estava sendo suficiente, honesto o suficiente, amável o suficiente, dedicado o suficiente, mas não estava sendo nada além de distração de um dia ruim como qualquer outro. Não era questionado o que eu havia feito nas tantas outras horas em que não servi de atento ombro amigo, isso não importava. Importava ouvir e interferir o menos possível, dizer que tudo ia ficar bem e que amanhã seria um novo dia. E foi, só eu que não sabia.
Para mim bastava esperar até que fosse necessário de novo, queria me sentir necessário, era minha única função, afinal. Enquanto isso criei monstros que cresceram sobre meus olhos e dentro do meu pulmão. Monstros que não vão embora tão cedo mesmo tudo tendo terminado.
“Não era para ser”, alguém sempre diz.
Talvez nunca seja, eu penso, porém isso não é motivo para não tentar. Podemos nos dar uma chance de vez em quando, por mais que nossa armadura meticulosamente bem lustrada já esteja de prontidão para quando tudo cair e se espatifar no chão. E de repente a gente se vê de volta à estaca menos três, assim mesmo, “menos três”, um destino em negativa. Vai rolar muita água até chegar no zero de novo, oh se vai! 
É mais fácil se acostumar com a fossa do que com o céu, então deixe-me aqui. Ainda tenho sorvete, litros de café para beber e alguns cigarros que diminuem exponencialmente o tempo que viverei nessa angústia de não saber o que aconteceu. De não ser avisado. De não bastar para mim e nem para ninguém. De eternamente ajudar os outros a quererem outros, enquanto eu os queria para mim. De não ser levado a sério. Depender.
Deixa de ser idiota! Se desta vez apostei com energia em 5%, da próxima serão apenas 0,873% para garantir que não haverá decepção. Assim evito me sentir enganado de alguma forma, traído talvez, não quero saber. Da próxima vez não demonstro interesse, ninguém demonstra mesmo. Vou viver minha vida sem espaço para outra, sem margem de afeto; viver de engrenagens e olho biônico. Quero um radar de longo alcance contra cilada também e um laço vermelho bem grande. Vou ser meu próprio presente e se não for para ser, daí não tem mais jeito mesmo.

O texto acima fazia parte de um projeto de ficção que estou escrevendo, mas decidi cortar este trecho. Então, achei legal postar e seria muito bacana saber o que você achou. Vai me ajudar bastante a desenvolver o resto. :)
Fonte: Blog Gregory Martins

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